Paulo Roberto Andrade / Agência USP
Em boa parte dos casos de violência doméstica contra a criança, a mãe é a principal agressora. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, um estudo mostra que as crianças também se acham culpadas pelas agressões, mesmo quando não fizeram nada. “Já os motivos da violência são vários: os pais descontam nos filhos seus traumas, problemas e frustrações. A violência é uma forma tentar extravasar os problemas e o estresse da vida”, conta a historiadora Mirian Botelho Sagim.
Em março deste ano, Mirian apresentou sua tese de doutorado no Departamento de Psicologia e Educação da FFLCRP, em que analisou a violência contra crianças e adolescentes no ambiente familiar. O estudo constatou os diversos motivos que provocam a violência doméstica, suas conseqüências e as alternativas para lidar com o problema.
Ao todo foram entrevistadas 17 famílias e 77 crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. Mirian investigou o comportamento das crianças e adolescentes em relação a algumas formas de violência praticada por seu pai ou padrasto: contra suas mães; contra si próprias e suas mães; e a violência de que são vítimas, praticada por seus pais e mães. Em todas essas situações a criança estava presente nos episódios de violência e interferia nas agressões do seu pai contra sua mãe.
Inúmeros casos foram relatados, muitas vezes pais alcoólatras maximizam a revolta que teriam por coisas pequenas, como por exemplo, quando um filho quebra um prato em casa e mãe o agride por isso. Ciúmes da mãe é um motivo comum para o pai se tornar agressivo, assim como o estresse no trabalho, problemas financeiros, entre outras coisas.
“Há casos em que a própria criança se acha culpada”, descreve Mirian. “Um filho, com fome, pede comida à mãe. Esta acaba respondendo com violência. A criança entende que ela é culpada simplesmente por estar com fome.” Segundo Mirian, na maioria das famílias, caso não aconteça uma intervenção, as agressões vão crescendo e acabam se tornando cíclicas. Qualquer pequena irritação já e motivo para uma agressão, que passa a ocorrer por motivos fúteis. “Com o tempo os filhos consideram as agressões algo que faz parte do cotidiano da família” alerta a pesquisadora.
As agressões no ambiente familiar podem ter reflexos na vida fora de casa. As crianças e adolescentes agredidos tornam-se pessoas violentas. Mirian explica que a criança considera aquilo normal, pois não tem modelos positivos em casa como referência. Houve um caso de uma adolescente que agrediu violentamente uma colega na escola por ciúmes do namorado. A confusão terminou com a garota na Fundação Casa (antiga Febem) e a amiga no hospital. Na entrevista, ela contou à pesquisadora que era molestada sexualmente pelo pai.
Casos graves
Alguns casos de agressões crônicas evoluem para um quadro de tortura, no qual o pai ou a mãe agressora usam de métodos hediondos para punir os filhos. São casos de queimaduras, choques elétricos, instrumentos de tortura, crianças amarradas, acorrentadas, entre outros. Muitos deles acabam no hospital, com fraturas, queimaduras e traumas profundos. Nestas situações, o estudo verificou que a melhor solução é separar a criança do convívio familiar.
Outro ponto observado é que as crianças sentem muito mais a violência psicológica do que uma agressão física. "A violência física dói, mas passa, e a criança acaba esquecendo. Já a violência psicológica fica na memória e a criança carrega consigo por muito tempo", esclarece Mirian. O trauma é tão forte que oito crianças entrevistadas desenvolveram ódio dos pais devido às agressões psicológicas e expressam o desejo de matá-los como uma forma de cessar a violência.
Esperança
Apesar das agressões sofridas, as crianças e adolescentes gostam dos pais e vêem a família como algo bom. “Elas não querem apanhar, preferem tentar resolver o problema, pois têm medo da família se desfazer e de serem mandados a abrigos. De um modo geral, os filhos gostam de ficar em casa quando não há brigas ou discussões. Eles querem apenas que os pais não briguem e não batam neles” explica Mirian.
Mirian acredita ser possível resolver muitos casos com a formação de grupos de apoio à família, que, atuando nos bairros, evitaria o agravamento do problema. Segundo a pesquisa, a conversa é uma das melhores formas de tratar o problema. As crianças e adolescentes entrevistados afirmam que o dia mais feliz do ano é, nesta ordem, o Natal e o dia em que não apanham.
Mais informações: (16) 9131-5825 com Mírian Botelho Sagim, ou pelos e-mails sagimbm@usp.br
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